quarta-feira, 18 de março de 2015

Literatura e Cinema: Orgulho e Preconceito nas telas





Literatura e cinema são dois segmentos distintos da arte. Cada qual tem suas características, suas distinções e peculiaridades. Apesar disso, em certos momentos, ambos encontram-se ligados, trocam informações e recursos, com o intuito de enriquecer seus conteúdos, sua arte. A literatura é uma forma de conhecimento da realidade. Existem várias definições de literatura, mas uma delas, e a mais importante, é de texto erudito, por meio do qual o artista (escritor) expressa sua visão de mundo, valendo-se de sua imaginação.


Assim como toda arte, a literatura é a expressão do homem e do humano. Ela acompanha o homem registrando suas conquistas, medos, sonhos e realizações. Seus trabalhos são feitos por meio de palavras, o que constitui um meio de comunicação privilegiado, pois potencializa a linguagem, atribuindo a esta novos e diferentes sentidos e significados. Assim, ao entrar em contato com o texto literário, o leitor se conecta com seu mundo exterior e interior, conhece mais a si e ao outro e, invariavelmente, cresce.

Já o cinema, em uma de suas concepções, é visto como arte narrativa. Tendo isso como base, é possível perceber que no seu desenvolvimento é dado prioridade ao ficcional. Em todas as modalidades do cinema podem-se encontrar contribuições da literatura, tanto de autores que buscavam nela inspiração, quanto de adaptações feitas a partir de suas obras.

O cinema começou a se legitimar culturalmente no início do século XX, despertando assim um interesse considerável nos escritores e artistas em geral. Estes viam no cinema um grande potencial para expressar a arte e os anseios da vida moderna. Dessa maneira começou notoriamente a aproximação das artes literárias com a cinematográfica. Essa aproximação é benéfica do ponto de vista artístico e cultural, pois cineastas procuram uma formação literária, enquanto parcerias são estabelecidas entre escritores e diretores.

Outro ponto em que se pode notar a aproximação dessas duas artes, é o fato dos gêneros cinematográficos surgirem a partir dos gêneros literários. Alguns estudiosos do assunto afirmam que os estudos dos gêneros cinematográficos nada mais são do que, em muitos aspectos, uma prolongação dos estudos dos gêneros literários.

Apesar disso, esses dois tipos de gêneros artísticos são distintos, bastante diferentes, tanto na constituição como no modo de produção e recepção. Em sua essência, a literatura é a arte das palavras, e o cinema, a arte das imagens. Sob esse ponto, elas se distanciam de maneira considerável. A palavra escrita, quando lida, dá margem às interpretações pessoais do leitor. Mas a imagem vale por si, transmite a mensagem de forma clara, de modo que não haja interpretações distintas das visualizadas.

Constantemente, obras literárias de autores consagrados pela crítica e pelos leitores vêm sendo adaptadas para o sistema audiovisual. A exibição desses projetos é vista como um modo de recriar a arte, de mostrá-la sob outra perspectiva.

Orgulho e Preconceito já teve várias adaptações feitas para a televisão e para o cinema. A mais recente delas, data-se de 2006, assinada pelo diretor Joe Wright, pode-se dizer que se trata de um filme contemporâneo. Já o livro foi escrito no final do século XVIII. Os dois encontram-se mais de dois séculos distantes na linha do tempo. Isso demonstra que o livro de Jane Austen é atemporal, sua história continua a ser lida e vista, é interessante até os dias de hoje.

É essa mesma distância temporal que deixa claro que o filme não é igual ao livro. Nem pretendia ser. Sabe-se que quando um escritor escreve, em prosa ou em verso, ele coloca em sua obra todas as suas experiências vividas, toda sua bagagem, seus conhecimentos e crenças sobre o mundo em que vive, mesmo que o faça de forma inconsciente.

O mesmo acontece no processo de criação do filme, as impressões e vivências de seus realizadores estão todas inseridas no filme, mesmo quando a base do filme é um texto criado por outrem. Por esses motivos, nenhum filme feito tendo como base um texto literário será igual ao original, ainda que esse seja o objetivo de quem o faça. Ora, se fosse igual, então não poderia ser considerada uma adaptação, seria uma cópia, um plágio do original.

Em Orgulho e Preconceito percebe-se uma grande proximidade entre o filme e o livro, mas mesmo assim há grandes diferenças entre eles. A primeira delas são os cenários encontrados no filme. No livro há cenas que se passam no interior das residências e outras que se passam no exterior delas, como no campo, nos jardins, nas estradas, entre outros.

O filme utilizou quase que o processo inverso. A maioria das cenas que no livro se passam no interior das casas, no filme são feitas ao ar livre. Há exceções, como os dois bailes realizados, os jantares, e uma ou outra cena. O contrário também acontece, onde no livro a passagem foi no exterior das residências, no filme foi realizada dentro das casas ou das mansões.

Há um contraste evidente nos lugares contidos num e noutro. Um exemplo disso é a cena na qual Darcy pede Elizabeth em casamento pela primeira vez. No livro, Elizabeth não estava se sentindo muito bem, pois sua conversa com o coronel Fitzwilliam, primo de Darcy, a deixara muito mal. Ele revelou a ela, sem saber que Elizabeth era irmã de Jane, que foi Darcy quem aconselhou Bingley a desistir de tal relacionamento. Por esse motivo, Elizabeth não foi com os amigos jantar em Rosings, ficando sozinha na casa de Charlotte. Inesperadamente surge o Sr. Darcy, e então se inicia a conversa entre eles. A cena se passa na sala, no interior da casa.

Já no filme, Elizabeth estava na igreja quando Fitzwilliam lhe faz essa revelação. Ela se sente mal, sai da igreja e corre até um abrigo. Lá chega Darcy, e assim inicia-se o diálogo entre eles.

No livro não há referências sobre o clima, já que a cena se passa no interior da casa. Já no filme, a cena é feita com um temporal acontecendo. Uma possibilidade de interpretação dessa cena, é que a chuva representa os sentimentos e o relacionamento desse jovem casal.

Todo o amor que os envolvia não fora suficiente para um relacionamento pacífico, pelo contrário, fora sempre conturbado. No pedido de casamento essa disparidade chega ao auge, Darcy expõe todos seus sentimentos, com tanto ímpeto, e é friamente recusado por Elizabeth. Daí a tempestade, de sentimentos, de ressentimentos, de anseios tão contraditórios de um e de outro.

No filme essa tempestade foi representada materialmente, o que deu uma outra conotação para a cena. Se no livro as emoções já foram tantas, no filme elas são exacerbadas, a cena dá uma sensação de comiseração ainda maior.

Em uma visão panorâmica do filme, pode-se dizer que este se aproxima consideravelmente do livro no qual foi baseado. As diferenças existiram, porém não foram tantas e nem tão díspares. Os diálogos contidos no livro foram sumariamente preservados, com uma ou outra modificação.

Outras semelhanças são passíveis de serem encontradas, como as personagens criadas por Jane Austen. Elas foram mantidas no filme, e suas principais características também. Pode-se dizer que as personagens de Austen foram muito bem retratadas no filme, tanto quanto caracterizadas.

As principais qualidades e os defeitos dessas personagens foram representados pelos atores escolhidos para a realização do filme, aliás, com muita maestria. Em nada foi perdido cada particularidade de cada uma das personagens. Mas, como o filme não tem um tempo tão longo para expor toda a história como o livro, algumas das personagens foram pouco retratadas ou suprimidas do filme.

O filme se atém principalmente nos conflitos que rodeiam Elizabeth. Esta já era a protagonista do livro, porém no filme ela ganha um destaque ainda maior, sendo o centro das atenções e a principal atriz em cena.

Outro ponto em que as duas obras vão de encontro são os cenários escolhidos para a representação no filme. Apesar de, como já dito anteriormente, o filme ter feito opção de inverter os locais de representação em relação a interiores e exteriores, a descrição dos locais referidos no livro foram bem representadas no filme. As casas, as mansões, os jardins, os parques, os campos, todos os locais utilizados nas filmagens assemelham-se consideravelmente com os descritos no livro.

O filme tem uma vantagem visual que o livro não proporciona, a não ser por meio da imaginação. Isso enriqueceu consideravelmente o que está contido em Orgulho e Preconceito, trazendo a possibilidade de uma nova visão para as personagens e a história em si.

O filme baseado na literatura escrita por Jane Austen, Orgulho e Preconceito, foi invariavelmente fiel ao original. Isso em um sentido amplo, de manter a narrativa, as personagens, os cenários, e principalmente de não alterar significativamente o conteúdo ao qual se baseou.

Modificações ocorreram, mas apenas com o intuito de adequar o conteúdo literário a fim de que fosse filmado. A base da história, o enredo escrito há dois séculos por Austen, foi intimamente conservado. O filme de modo algum deixou de fazer jus ao seu nome, ao objetivo a que se propôs, que era trazer a magnífica literatura de Jane Austen à atualidade.

Orgulho e Preconceito quando apenas visto, pode ser considerado um filme de época. Mas para os que conhecem o livro ao qual serviu de base para as gravações, podem considerar o filme assim como o livro, uma obra atemporal, que, apesar de ser baseada na sociedade inglesa do século XIX, nada tem que prenda seu conteúdo apenas a essa determinada época.