quinta-feira, 29 de setembro de 2016

[RESENHA] A Intrusa - Júlia Lopes


Título original: A Intrusa

Autora: Júlia Lopes de Almeida

Editora: Pedrazul

Número de páginas: 232

Sinopse: Ele era ainda jovem, mas se sentia velho. O peso de uma promessa, feita à mulher já morta, tirava-lhe todas as expectativas de um dia amar de novo. Sua vida era voltada ao trabalho como respeitado advogado, à filha, e aos amigos. Todavia, o destino colocou dentro de sua casa uma intrusa que ousou mexer com seus entorpecidos sentimentos. Devido a uma excêntrica condição estipulada por ele, nunca se viam, mas sua doce presença impregnava-lhe a vida, tornando a necessidade de vê-la maior que a estranha promessa.


Eu sempre havia comentado sobre o fato de não termos uma escritora brasileira de peso no século XIX. Até que a Pedrazul lançou A Intrusa. Confesso que fiquei bem curiosa para ler, e o livro atendeu bem às minhas expectativas. Acostumada com romances escritos por mulheres inglesas do século XIX, qual não foi minha surpresa ao ler este brasileiro, ambientado no Rio de Janeiro. 

O século XIX estava no fim, o Rio de Janeiro vivia o auge da cultura cosmopolita, a Belle Époque, marcada por profundas transformações culturais que se traduziam em novos modos de pensar e viver o cotidiano. Em A Intrusa, Júlia retrata bem os costumes da alta sociedade carioca de seu tempo, e o faz de modo crítico.

O romance conta a história de Argemiro, um advogado viúvo há nove anos. Ele teve um casamento bem sucedido com Maria, e dessa união nasceu Maria da Glória. A esposa, ciumenta por natureza, fez seu marido jurar no seu leito de morte que jamais voltaria a se casar.

Glória, como a criança era chamada por todos, que tinha apenas dois anos quando a mãe faleceu, foi criada em uma chácara pelos avós paternos, e cresceu livre, porém rebelde, mimada e sem modos. Já a casa de Argemiro era administrada por um empregado, Feliciano, que abusava das coisas de seu patrão, usava suas roupas, fumava seus charutos; e administrava muito mal a casa, esbanjando os recursos de que dispunha.

Diante dessa situação, Argemiro resolve, com ajuda de seu amigo Padre Assunção, colocar um anúncio no jornal em busca de uma governanta. Apenas uma candidata aparece, a jovem Alice. Ela aceita todas as condições impostas para conseguir o trabalho, inclusive a mais estranha delas: seu patrão exige que ela nunca o veja.

Alice começa assim a cuidar muito bem da casa de Argemiro, colocando todas as coisas em ordem, inclusive as despesas da casa. Com a presença de uma mulher em casa, Argemiro começa a trazer sua filha aos finais de semana. E qual não foi sua surpresa ao perceber o quanto Alice influenciava positivamente a menina, ensinando-a, fazendo com que ela começasse a mudar seus modos grosseiros.

Mesmo nunca vendo a governanta, o advogado sente a presença de sua alma pela casa, e começa a se sentir mais feliz dentro de seu próprio lar, agora muito mais organizado e aconchegante. Isso não era bem visto pela sociedade da época, e os personagens deixam claro como viam com maus olhos o homem viúvo manter uma governanta, uma mulher que comandava sua casa sem ser sua esposa.

Uma coisa que me chamou muito a atenção durante a leitura foi o modo como Júlia conduz a narrativa, abusando da onisciência do narrador e do discurso indireto livre. Mesmo quando não está utilizando o discurso direto, podemos perceber como se sentem os personagens, como pretendem agir, e o esforço que fazem para se manterem dentro dos costumes daquela sociedade. Júlia explora bastante o lado psicológico de cada personagem, tornando a leitura bem interessante.

Outro ponto que merece destaque é como Alice aparece pouco no romance. Dessa forma, assim como Argemiro, o leitor também fica curioso para “ver” e conhecer um pouco mais sobre a personagem. A autora mantém esse ar de mistério durante boa parte do livro. Aos poucos a personagem vai sendo revelada, e admirada como heroína do romance.

Mesmo com a intromissão de seus amigos e dos pais de Maria sobre manter uma governanta em casa, Argemiro segue firme em sua decisão até o final da história. Este foi diferente do que eu imaginava, e se mostrou bem surpreendente. 

A história é encantadora, além do cenário que também fascina. Foi um grande prazer conhecer de perto um romance escrito por uma brasileira numa época difícil para as mulheres no campo das artes, especialmente no Brasil. Júlia, que apoiava a abolição e a república, é uma das primeiras romancistas brasileiras, e foi impedida de ingressar na Academia Brasileira de Letras pelo fato de ser mulher, apesar de ter participado do seu planejamento e criação.