Literatura e cinema
são dois segmentos distintos da arte. Cada qual tem suas características, suas
distinções e peculiaridades. Apesar disso, em certos momentos, ambos
encontram-se ligados, trocam informações e recursos, com o intuito de
enriquecer seus conteúdos, sua arte. A literatura é uma
forma de conhecimento da realidade. Existem várias definições de literatura,
mas uma delas, e a mais importante, é de texto erudito, por meio do qual o
artista (escritor) expressa sua visão de mundo, valendo-se de sua imaginação.
Assim como toda arte,
a literatura é a expressão do homem e do humano. Ela acompanha o homem
registrando suas conquistas, medos, sonhos e realizações. Seus trabalhos são
feitos por meio de palavras, o que constitui um meio de comunicação
privilegiado, pois potencializa a linguagem, atribuindo a esta novos e
diferentes sentidos e significados. Assim, ao entrar em
contato com o texto literário, o leitor se conecta com seu mundo exterior e
interior, conhece mais a si e ao outro e, invariavelmente, cresce.
Já o cinema, em uma
de suas concepções, é visto como arte narrativa. Tendo isso como base, é
possível perceber que no seu desenvolvimento é dado prioridade ao ficcional. Em todas as
modalidades do cinema podem-se encontrar contribuições da literatura, tanto de
autores que buscavam nela inspiração, quanto de adaptações feitas a partir de
suas obras.
O cinema começou a se legitimar culturalmente
no início do século XX, despertando assim um interesse considerável nos
escritores e artistas em
geral. Estes viam no cinema um grande potencial para
expressar a arte e os anseios da vida moderna. Dessa maneira começou
notoriamente a aproximação das artes literárias com a cinematográfica. Essa
aproximação é benéfica do ponto de vista artístico e cultural, pois cineastas
procuram uma formação literária, enquanto parcerias são estabelecidas entre
escritores e diretores.
Outro
ponto em que se pode notar a aproximação dessas duas artes, é o fato dos
gêneros cinematográficos surgirem a partir dos gêneros literários. Alguns
estudiosos do assunto afirmam que os estudos dos gêneros cinematográficos nada
mais são do que, em muitos aspectos, uma prolongação dos estudos dos gêneros literários.
Apesar
disso, esses dois tipos de gêneros artísticos são distintos, bastante
diferentes, tanto na constituição como no modo de produção e recepção. Em
sua essência, a literatura é a arte das palavras, e o cinema, a arte das
imagens. Sob esse ponto, elas se distanciam de maneira considerável. A palavra
escrita, quando lida, dá margem às interpretações pessoais do leitor. Mas a
imagem vale por si, transmite a mensagem de forma clara, de modo que não haja
interpretações distintas das visualizadas.
Constantemente,
obras literárias de autores consagrados pela crítica e pelos leitores vêm sendo
adaptadas para o sistema audiovisual. A exibição desses projetos é vista como
um modo de recriar a arte, de mostrá-la sob outra perspectiva.
Orgulho e Preconceito já teve várias adaptações feitas para
a televisão e para o cinema. A mais recente delas, data-se de 2006, assinada
pelo diretor Joe Wright, pode-se dizer que se trata de um filme contemporâneo.
Já o livro foi escrito no final do século XVIII. Os dois encontram-se mais de
dois séculos distantes na linha do tempo. Isso demonstra que o livro de Jane
Austen é atemporal, sua história continua a ser lida e vista, é interessante
até os dias de hoje.
É essa mesma
distância temporal que deixa claro que o filme não é igual ao livro. Nem
pretendia ser. Sabe-se que quando um escritor escreve, em prosa ou em verso,
ele coloca em sua obra todas as suas experiências vividas, toda sua bagagem,
seus conhecimentos e crenças sobre o mundo em que vive, mesmo que o faça de
forma inconsciente.
O mesmo acontece no
processo de criação do filme, as impressões e vivências de seus realizadores
estão todas inseridas no filme, mesmo quando a base do filme é um texto criado
por outrem. Por esses motivos,
nenhum filme feito tendo como base um texto literário será igual ao original,
ainda que esse seja o objetivo de quem o faça. Ora, se fosse igual, então não
poderia ser considerada uma adaptação, seria uma cópia, um plágio do original.
Em Orgulho e Preconceito percebe-se uma
grande proximidade entre o filme e o livro, mas mesmo assim há grandes
diferenças entre eles. A primeira delas são
os cenários encontrados no filme. No livro há cenas que se passam no interior
das residências e outras que se passam no exterior delas, como no campo, nos
jardins, nas estradas, entre outros.
O filme utilizou
quase que o processo inverso. A maioria das cenas que no livro se passam no
interior das casas, no filme são feitas ao ar livre. Há exceções, como os dois
bailes realizados, os jantares, e uma ou outra cena. O contrário também
acontece, onde no livro a passagem foi no exterior das residências, no filme
foi realizada dentro das casas ou das mansões.
Há um contraste
evidente nos lugares contidos num e noutro. Um exemplo disso é a cena na qual
Darcy pede Elizabeth em casamento pela primeira vez. No livro, Elizabeth não
estava se sentindo muito bem, pois sua conversa com o coronel Fitzwilliam,
primo de Darcy, a deixara muito mal. Ele revelou a ela, sem saber que Elizabeth
era irmã de Jane, que foi Darcy quem aconselhou Bingley a desistir de tal relacionamento.
Por esse motivo, Elizabeth não foi com os amigos jantar em Rosings, ficando
sozinha na casa de Charlotte. Inesperadamente surge o Sr. Darcy, e então se
inicia a conversa entre eles. A cena se passa na sala, no interior da casa.
Já no filme, Elizabeth
estava na igreja quando Fitzwilliam lhe faz essa revelação. Ela se sente mal,
sai da igreja e corre até um abrigo. Lá chega Darcy, e assim inicia-se o
diálogo entre eles.
No livro não há
referências sobre o clima, já que a cena se passa no interior da casa. Já no
filme, a cena é feita com um temporal acontecendo. Uma possibilidade de
interpretação dessa cena, é que a chuva representa os sentimentos e o
relacionamento desse jovem casal.
Todo o amor que os
envolvia não fora suficiente para um relacionamento pacífico, pelo contrário,
fora sempre conturbado. No pedido de casamento essa disparidade chega ao auge,
Darcy expõe todos seus sentimentos, com tanto ímpeto, e é friamente recusado
por Elizabeth. Daí a tempestade, de sentimentos, de ressentimentos, de anseios
tão contraditórios de um e de outro.
No filme essa
tempestade foi representada materialmente, o que deu uma outra conotação para a
cena. Se no livro as emoções já foram tantas, no filme elas são exacerbadas, a
cena dá uma sensação de comiseração ainda maior.
Em uma visão
panorâmica do filme, pode-se dizer que este se aproxima consideravelmente do
livro no qual foi baseado. As diferenças existiram, porém não foram tantas e
nem tão díspares. Os diálogos contidos no livro foram sumariamente preservados,
com uma ou outra modificação.
Outras semelhanças
são passíveis de serem encontradas, como as personagens criadas por Jane
Austen. Elas foram mantidas no filme, e suas principais características também.
Pode-se dizer que as personagens de Austen foram muito bem retratadas no filme,
tanto quanto caracterizadas.
As principais
qualidades e os defeitos dessas personagens foram representados pelos atores
escolhidos para a realização do filme, aliás, com muita maestria. Em nada foi perdido
cada particularidade de cada uma das personagens. Mas, como o filme não tem um
tempo tão longo para expor toda a história como o livro, algumas das
personagens foram pouco retratadas ou suprimidas do filme.
O filme se atém
principalmente nos conflitos que rodeiam Elizabeth. Esta já era a protagonista
do livro, porém no filme ela ganha um destaque ainda maior, sendo o centro das
atenções e a principal atriz em cena.
Outro ponto em que as
duas obras vão de encontro são os cenários escolhidos para a representação no
filme. Apesar de, como já dito anteriormente, o filme ter feito opção de
inverter os locais de representação em relação a interiores e exteriores, a
descrição dos locais referidos no livro foram bem representadas no filme. As casas, as mansões,
os jardins, os parques, os campos, todos os locais utilizados nas filmagens
assemelham-se consideravelmente com os descritos no livro.
O filme tem uma
vantagem visual que o livro não proporciona, a não ser por meio da imaginação.
Isso enriqueceu consideravelmente o que está contido em Orgulho e Preconceito, trazendo a possibilidade de uma nova visão
para as personagens e a história em si.
O filme baseado na literatura
escrita por Jane Austen, Orgulho e
Preconceito, foi invariavelmente fiel ao original. Isso em um sentido
amplo, de manter a narrativa, as personagens, os cenários, e principalmente de
não alterar significativamente o conteúdo ao qual se baseou.
Modificações
ocorreram, mas apenas com o intuito de adequar o conteúdo literário a fim de
que fosse filmado. A base da história, o enredo escrito há dois séculos por
Austen, foi intimamente conservado. O filme de modo algum
deixou de fazer jus ao seu nome, ao objetivo a que se propôs, que era trazer a
magnífica literatura de Jane Austen à atualidade.
Orgulho e Preconceito quando apenas visto, pode ser
considerado um filme de época. Mas para os que conhecem o livro ao qual serviu
de base para as gravações, podem considerar o filme assim como o livro, uma
obra atemporal, que, apesar de ser baseada na sociedade inglesa do século XIX,
nada tem que prenda seu conteúdo apenas a essa determinada época.