Nos dias atuais, a questão de gênero tem sido discutida amplamente pela sociedade. Mas será que sempre foi assim? A literatura nos ajuda a desvendar alguns mistérios sobre o papel da mulher, já que o autor, quando escreve, imprime além das belas narrativas, o comportamento da sociedade de sua época.
Isso encontramos nos livros clássicos. E o acontece para que um livro seja considerado clássico? É exatamente a sua atemporalidade, ou seja, não importa quanto tempo passe, a história continua produzindo sentido para quem lê.
A questão do papel da mulher no século XIX fica clara nos romances de Jane Austen. Ela é considerada a primeira mulher que se tornou romancista importante. Suas obras foram compostas principalmente por comédias satíricas da vida social e doméstica, de um pequeno segmento da sociedade inglesa de sua época.
O casamento é o principal tema de seus romances. Isso se justifica, pois o mesmo era considerado naquela época, como o único caminho para uma mulher da sociedade. Para as personagens femininas de Austen, casamento era sinônimo de ascensão social, mas, além disso, elas buscavam no matrimônio estabilidade e segurança.
Analisando suas obras, percebemos claramente que suas personagens femininas são mulheres a frente de seu tempo. Além disso, essas heroínas não seguiam os costumes da sociedade, e quando se casavam o faziam por amor.
Jane encontrou um modo de expressão feminista em suas obras por meio da ironia ou na fingida ignorância que lhe permitiu liberdade que nenhuma outra mulher de seu tempo desfrutou.
Tem uma coisa que une as heroínas austenianas, é o fato delas não dividirem seus conflitos e dúvidas com outros personagens. Ainda que tenham irmãs ou amigas, agem de forma independente, e só comunicam às outras suas decisões mais importantes depois que elas já foram tomadas.
Jane Austen conseguiu de certa forma incutir na mente de suas leitoras alguns dos principais ideais feministas quando o termo mal existia: noções de igualdade, liberdade de expressão e conscientização quanto a situação inferior das mulheres na sociedade.
Uma de suas personagens mais conhecidas, do livro Orgulho e Preconceito, Elizabeth Bennet, mostra-se sempre autentica, fiel aos seus ideais. Lizzie viveu numa sociedade inglesa que, como já citado, o único objetivo para a mulher era o casamento. E nessa época, em que poucas mulheres teriam coragem de recusar um pedido de casamento, ela o faz duas vezes. A primeira feita por seu primo, Mr. Collins. Como ele herdaria a propriedade do pai de Lizzie, Mr. Bennet, Collins acha que está fazendo um grande favor para a família casando-se com sua prima. E qual não foi sua surpresa quando ela o recusou, com firmeza e determinação.
Essa recusa causou um grande espanto na mãe de Elizabth, Mrs. Bennet. Há duas interpretações possíveis para o comportamento da matriarca, que, como possuía cinco filhas, vivia para pensar e planejar casamento para elas. A primeira interpretação, talvez mais superficial, é a futilidade da mãe das moças, que sofria por ver as filhas ainda solteiras. A segunda, e quem sabe a mais segura, é que esse era um comportamento comum para as mulheres daquela época, visto que a sociedade lhes compelia a ter esse tipo de conduta.
Posteriormente, Lizzie é pedida em casamento por Mr. Darcy. Nenhuma mulher em sã consciência, naquela época, teria a audácia de recusar um pedido desses, visto a importância, riqueza e posição social do cavalheiro em questão. Nenhuma mulher, exceto a nossa astuta Lizzie. Ela o recusa, e mais uma vez com firmeza e determinação.
Claro que com o passar do tempo, ela começa a conhecer melhor Darcy, enfim se apaixona por ele, e os dois ficam juntos no final. Mas ela só o faz por amor, diferentemente de muitas damas contemporâneas dela, como sua amiga Charlotte, que se casa com o recusado Mr. Collins apenas para se estabelecer em sociedade.
Essa pequena reflexão sobre alguns de seus personagens mais conhecidos, nos mostra que, mesmo Austen vivendo em uma sociedade cheia de costumes, enxergava a mulher de uma maneira diferente. Ela via outras possibilidades, como a liberdade de se fazer o que tem vontade, e não apenas o que é imposto.
Voltando ao assunto dos livros clássicos, Orgulho e Preconceito é um dos exemplares da literatura inglesa mais conhecidos e mais lidos até hoje. E sua atemporalidade foi trazida para uma adaptação moderna da história, The Lizzie Bennet Diaries, ou O Diário de Lizzie Bennet. Em episódios curtos em formato de vlog, nessa adaptação as personagens vivem em nossa sociedade, trabalhando, estudando, e levando suas vidas com tudo que a modernidade permite. E Lizzie continua fazendo suas vontades, mais uma vez firme e determinada, não levando em consideração o que as pessoas pensam sobre sua vida e suas escolhas.
Essa é a grande sacada da adaptação, nos mostrar que, independentemente do tempo, do século, a mulher sempre tem seu papel, e com um pouco de garra, sempre transpõe os obstáculos que lhes são impostos.
Hoje, muito mais conscientes sobre a importância de se debater as questões de gênero, vale a reflexão que a opressão sofrida pelo sexo feminino é histórica, e que podemos nos espelhar na nossa heroína Elizabeth, e estarmos sempre a frente de nosso tempo.