sexta-feira, 21 de outubro de 2016

[Coisas pelas quais Jane Austen não passou] Visualizou e não respondeu!


Desde que o Whatsapp criou esta ferramenta representada acima, nossa vida virou um inferno. O mundo entrou em colapso. O caos instalou-se nos relacionamentos em geral. Pais e filhos, cônjuges, amigos, tios e sobrinhos. Não existe mais a liberdade de ignorar os outros. Não existe mais a possibilidade de inventar desculpas, do tipo "puxa, não vi sua mensagem". A nova ferramenta veio para nos obrigar a completar a comunicação, ainda que não queiramos. "Mas Michelle, isso é ruim?" Claro!
- Aquela sua tia que manda uma imagem com uma flor e um Bom Dia! todos os dias e você ignorava. Agora não pode mais!
- Aquele antigo crush que vem com um "Oi, sumida!" e você ignorava. Agora não pode mais!
- Aquela prima que te manda correntes do tipo "mande para todas as pessoas que você ama, quero receber de volta" e você ignorava. Agora não pode mais!
- Aquela mensagem da sua mãe mandando limpar o coco do cachorro do quintal e você ignorava. Agora não pode mais!

Mas é verdade. A tecnologia nos ajuda a melhorar e otimizar nossa comunicação. Imagine a sua vida dependendo de cartas, correios à cavalo ou mesmo empregados correndo com bilhetes na mão. É, bem complicado! Mas era assim que nossa querida Jane vivia! Vamos entender!


As cartas, por muito tempo, foram o único meio de comunicação no mundo. Enviar uma mensagem e esperar 15 dias, 1 mês para ter a resposta era algo muito comum - coisa que nós não podemos sequer imaginar! Jane viveu na era Georgiana (1714-1830), quando só havia esse meio de comunicação, e podemos perceber em seus escritos que era uma prática que ela gostava muito. Em seus livros temos a presença de cartas trocadas entre os personagens, e temos também romances epistolares, que são completamente compostos por cartas. 

Em sua vida também temos registros de que muitas cartas foram trocadas, em especial com sua irmã Cassandra. Infelizmente a maioria dessas cartas foi perdida - queimada - o que nos deixou uma lacuna gigante quanto à sua vida. Mas a grande verdade é que, por cartas, emails, telefone, sms ou skype, sempre queremos que nossas mensagens permaneçam privadas. e foi pra proteger essa privacidade que Cassandra queimou as cartas. Sabe lá qual segredo de Jane ela queria esconder né...

Mas onde quero chegar? Nos inconvenientes. Assim com o duplo-tique-azul do whatsapp causa inconvenientes diversos, as cartas também tinham seus pontos ruins, além da demora. Muitas cartas foram desviadas de seu destino e nunca chegaram - por diversos motivos, desde uma tempestade no caminho dos correios até a caligrafia ininteligível do remetente. Muitas cartas foram entregues no lugar errado - igual quando a gente printa uma conversa e manda pro grupo que não deveria, sabe?! E muitas cartas foram ignoradas, propositalmente ou não.

Carruagem de Mala-Postal Inglesa utilizada na carreira entre 1859 e 1864

No entanto, havia algo nas cartas que nenhum outro método conseguiu suplantar ate hoje: o capricho. 


Havia aulas de caligrafia, afinava-se as penas com muito cuidado, papéis de carta eram personalizados (e caros) e levavam o brasão da família, traçava-se linhas nas folhas pra ficar certinho, e a linguagem das cartas era, em geral, mais culta do que a oral, com mais floreios, palavras mais bonitas. O visual de uma carta era algo que tinha muita importância, e muitas vezes elas iam acompanhadas de flores, desenhos, ou outras cartas - que foram substituídas pelo famoso print! - ou mesmo eram perfumadas. Lindo né?!

Infelizmente, a carta foi perdendo importância. Desde a criação do telefone, do fax, do telegrama, o costume de enviar cartas foi caindo em desuso, mas o que veio pôr fim à troca de cartas foi o advento do e-mail. Até o século passado as cartas eram ainda um forte meio de comunicação com pessoas que estavam distantes, ainda encontramos um razoável número de cartas escrito por pessoas famosas dessa altura. A rapidez com que recebemos uma resposta e o rápido crescimento que a internet teve nos últimos anos da década de 90 foram os grandes responsáveis por tornar as cartas quase objetos de museu, e hoje, o Whatsapp tomou conta dessa parte quase totalmente.

Conversas fictícias.
Mas de tudo isso tiro uma conclusão: Feliz foi Jane Austen por ter vivido numa época distante dessas tecnologias, pois com Tinder e similares, as declarações românticas de seus livros iriam por água a baixo! E por falar em Tinder e declarações... não, hoje não, mas  falaremos sobre isso numa próxima publicação da série Coisas pelas quais Jane Austen não passou!



Minhas pesquisas:
http://janeaustenpt.blogs.sapo.pt/243792.html
http://www.jornalocasarao.com/2013/07/jane-austen-contexto-historico.html